Entrevistas

Dia de Finados: Descubra como é a vida de quem trabalha com os mortos. Entrevista exclusiva com Juca da Funerária

Em homenagem ao dia dos finados a reportagem do Mídia Recôncavo preparou uma entrevista exclusiva com o administrador geral dos cemitérios do município de Cruz das Almas. Apesar de ser um trabalho que por muitos é julgado pela frieza de sentimentos, Juca da Funerária, como é mais conhecido, assumi que não consegue segurar as lágrimas em seu trabalho. Acompanhe um pouco do trabalho de um homem que lida todos os dias com a morte.

Mídia Recôncavo – Como trabalha com as emoções e sentimentos no trabalho?

Juca Funerária – Eu aprendi a lidar com o sentimento e isso fez garantir o meu trabalho. Sei que me envolvo com pessoas que estão fragilizadas, debilitadas e desesperadas. Então, sei que preciso ter profissionalismo, mas a cima de tudo, preciso demonstrar sentimentos pelas pessoas. Já perdi avó, tio, pai, irmão e outras pessoas que eram como se fossem da minha família, por isso sinto como eles. Realmente é terrível ter que colocar essas pessoas no caixão. Preciso ser forte. As vezes chego até fazer um trabalho de psicologia com alguns parentes debilitados. Então eu confesso que mesclo o sentimento com o profissionalismo, mas as lagrimas caem. Eu tive um patrão que falava, “chore pelos seus, e deixe que os outros chorem pelos deles”, aí eu respondi que o meu coração é de carne e não de pedra. Já houve enterro que eu chorei junto com a família e outros que saí do cemitério e fui direto para o hospital, passando mal. Eu sou ser humano, mas gosto muito do que eu faço.

MR – Relembre um sepultamento que não conseguiu segurar as lagrimas?

JF – Neste ano já foram feitos cerca de 300 sepultamentos, e entre esses foram muitas pessoas queridas. Mas um que me marcou recentemente foi que ainda ontem (27/10), eu enterrei Valter do Camarão, ele era muito próximo a mim. Lembro que todos os dias ele passava pela Funerária Juca (onde também trabalho) e brincávamos, como se fosse pai e filho, depois do trabalho dele a gente batia papo, fazíamos várias brincadeiras. Como é que não sofre, não sente? Não escondo nenhum sentimento. Só porque eu sou profissional que não vou sentir? Sei que preciso ser forte, mas eu assumo que também sinto muito emocionalmente.

MR – Como começou o gosto pelo trabalho?

JF – Lembro que quando era menino eu tinham muito medo dos caixões, quando via aqueles caixões pretos, azuis, eu corria pra não ver. Hoje é o trabalho que mais tenho prazer em fazer e faço bem. Começou assim… Eu trabalhava na área de construção civil, e peguei a reforma da loja Curi, no centro da cidade de Cruz das Almas. Lá conheci o proprietário, Paulo Curi, que também era dono da Funerária Curi. Com o meu jeito curioso, passei a procurar saber mais sobre aquele trabalho. Comecei a ter contato com o filho dele, e foi ele quem me motivou para entrada na área, e me ajudou muito. Lembro que ele foi me alertando para o lado positivo e o negativo do ramo. Me ensinou tudo, mas foi me avisando que teria fome, sede, noite perdidas, namoradas perdidas, entre outras dificuldades. Me preparou para o trabalho. Fui me preparando e ouvia todos dizendo que eu tinha o jeito. Hoje, trabalho nesse ramo há 20 anos, e acredito que mudou minha vida. Esse é um setor maravilhoso, me sinto muito bem aqui, dentro do cemitério. Se as pessoas soubessem o real significado desse lugar, valorizariam mais.

MR – Que tipo de problemas e dificuldades o cemitério passa?

JF – Vários. Houveram muitos problemas deixados pela gestão anterior, e hoje tenho muito cuidado com este cemitério, para que não aconteça o mesmo na minha administração. Foram retirados restos mortais sem autorização e tivemos que pagar indenizações por causa disso. Hoje temos o maior cuidado para podermos oferecer confiança à família.

Nossa dificuldade são os arquivos. Praticamente nenhum arquivo foi deixado pela gestão anterior. Por causa disso dependemos muito do setor de Tribrutos Municipal. São eles que têm me cedido todos os dados e dão as autorizações para as aberturas de catacumbas e gavetas. Para solucionar dúvidas de dados passados. O que eu puder fazer para deixar a família tranquila em relação aos procedimentos feito aqui dentro, eu vou fazer. Tenho consciência de que preciso cuidar dos restos mortais da nossa população.

Outro problema que temos passado são os furtos. De janeiro até março, foram furtadas oito placas de bronze que normalmente são afixadas em cima das catacumbas. Cada uma chega a custar até R$800 reais. Sinceramente acho que a pessoa que rouba um cemitério não tem coração. Os furtos acontecem nos dois cemitérios da cidade. Por isso fomos obrigados a solicitar alguns vigias para tomar conta dos locais.

MR – O que você acredita que existe após a morte?

JF – Eu acredito que existe um Deus, e se ele existe, tudo é possível. Acredito que existe um além, e todos nós que merecermos, vamos para este local. Como não sabemos como é lá, imaginamos que seja um lugar que nos ofereça conforto espiritual. Mas, acredito também que após a morte nosso corpo não serve mais pra nada, não vale nada. Nossa matéria é podre, tão podre que bicho nenhum come. Esses dias eu estava assistindo um documentário na TV sobre estudos do corpo humano, e fiquei impressionado ao ver como os pesquisadores tratam friamente os que já morreram, forma absurda. A minha esperança é que Deus cuide do nosso espírito, levando à um lugar de paz. Deixo uma mensagem para quem está vivo, “Acredito que não devemos deixar nada para o próximo minuto, devemos fazer tudo agora. Porque o agora é o importante, já o daqui a pouco, não sabemos”.

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