O mito e a realidade do Carnaval

Grande parte do Brasil já está tomado pelo clima de Carnaval. Para muitos, o Carnaval não é somente um período do ano e um tempo de brincadeiras.
Como tudo nesse sistema em que vivemos, atualmente, o Carnaval também se tornou objeto do mercado. A festa que antigamente era gratuita se converteu em espetáculo pago. O corpo humano é comercializado, as drogas e bebidas se tornaram banais. Em alguns lugares, a competição transforma a alegria em violência. Entretanto, seja como for, sempre sobrevive um resquício de festa popular. Por trás de todas as ambigüidades, há um fato inegável: o povo tem direito à alegria, à liberdade de brincar e conviver de forma diversa do cotidiano. Em muitos casos, o Carnaval é a versão popular e antiga do que o filósofo Domenico de Masi chamava de “ócio criativo”.
O Cristianismo medieval que a América Latina recebeu dos espanhóis e portugueses insistia muito na tristeza, na dor e nos sacrifícios. No romance e filme “O nome da rosa”, monges medievais chegam a matar para impedir que seja lido um tratado sobre o riso do velho Aristóteles. Entretanto, essa não foi sempre a única tradição cristã. Muitos místicos e místicas cristãos valorizaram a alegria e o gosto de viver. Santa Mectildes, uma abadessa medieval, ensinava a suas monjas: “Deus é como uma criança que brinca de se esconder em teu coração. Quer ser tua companhia na arte de brincar e ser feliz”. Nos evangelhos, várias vezes, Jesus diz aos discípulos que tem como objetivo comunicar a eles a alegria e uma alegria tão grande que ninguém possa roubá-la. Já no primeiro testamento, o povo que se libertou do cativeiro da Babilônia dizia: “A alegria de Deus é a nossa força” (Ne 5).